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sábado, 21 de outubro de 2017

COMUNICAÇÕES DESESPERADAS

Duas vezes presidente, Getúlio Dornelles Vargas (19/04/1882 – 24/08/1954), promoveu reformas que transformaram o Brasil agrário e semicolonial numa nação em desenvolvimento. Tido como a mais expressiva figura política da república brasileira, ora instituiu um governo ditatorial, ora tornou-se presidente eleito pelo voto popular e universal.
Partindo de terras gaúchas, num trem militar, ainda na condição de governador, junto com a sua comitiva, e com destino a São Paulo, no dia 16/10/1930, Getúlio deu uma parada na estação ferroviária das cidades Gêmeas do Iguaçu (Porto União – SC, e União da Vitória – PR), e ali aproveitou para aproximar-se do povo e pronunciar um discurso da sacada do antigo Hotel Internacional, na atual Praça Hercílio Luz. O ambiente político-partidário brasileiro era pra lá de preocupante.
(Foto de Arthur Wischral. acervo Nilson Rodrigues).

O fato ainda hoje reverbera como acontecimento histórico local, e sempre é destacado quando a conversa gira em torno dos tempos em que a linha férrea servia, até, ao transporte internacional de passageiros, bem como para a escoação de produtos, notadamente da indústria pecuária. Longe estava da percepção de todos os porto-unionenses, e união-vitorienses, daquela época, o desfecho trágico na vida daquela personalidade influente do cenário político nacional.
Para se ter uma ideia do tom da História naquela ocasião, basta relembrar as palavras grafadas em seu diário, iniciado no dia 03/10/1930: “Desta viajada se volta com honra ou não se volta mais”. Um olhar mais detalhado é o suficiente para nele se perceberem citações repletas de sentimentos que, hoje, propicia um recorte historiográfico capaz de ressaltar o prévio grito de socorro daquele que já aparentava alguma ideação suicida.
O 14º mandatário brasileiro, vivenciou momentos de grande tensões, de alguma euforia pelos êxitos alcançados, mas também de agonias em razão dos fracassos, das cobranças, das decepções, das traições e tramas homéricas, dignas de enredos de obras literárias ou cinematográfica de mistério, intrigas e suspense, num redemoinho de interesses palacianos escusos e obscuros, a fervilhar na mais profunda intimidade psíquica daquele grande brasileiro de 1,63 m de altura, sobrepondo, instante a instante, gotas de fel emocional, que futuramente viria a entornar, lá em 1954, através do ato suicida.
Não é necessário muito esforço para se imaginar o que vem a ser o emocional de quem tem sobre si a responsabilidade de decidir os destinos de uma nação quando, paralelo a isto, ocorrem fatos tenebrosos que pedem providências rápidas e eficazes.
Os escritos do diário de Vargas, mostrava-o contando o tempo, como se acompanhasse o tique-taque do relógio, à medida que aguardava o momento ideal, exato para os acontecimentos revolucionários, e de negociações político-administrativas, naquele ano de 1930.
Já no primeiro dia das anotações no seu diário (03out), Getúlio expressava um dos sentimentos mais difíceis de se administrar: a ambivalência (um martirizante rosário de dúvidas atrozes). Indagava-se ele: “Não terei depois uma grande decepção?”, “Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a ordem?”, “E se perdermos?”, “Eu serei depois apontado como responsável, por despeito, por ambição, quem sabe?”.
A perspectiva, então vislumbrada pela sua mente, já comprometida com a ideação suicida, clarifica, mais uma vez, o cogitar da morte como alternativa para a desconfortável posição de mandatário e líder político, num momento crítico nacional: “Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”.
O tamanho da crise (de dentro de si, e da nação que viria a governar) estava, também, retratado no manifesto revolucionário exarado naquela 5ª feira, 03/10/1930, e publicado nos jornais do dia seguinte:
O povo, oprimido e faminto. O regime representativo golpeado de morte, pela subversão do sufrágio popular... Daí, como consequência lógica, a desordem moral, a desorganização econômica, a anarquia financeira, o marasmo, a estagnação, o favoritismo, a falência da Justiça. Entreguei ao povo a decisão da contenda, e, este, cansado de sofrer, rebela-se contra os seus opressores... Não foi em vão que o nosso Estado realizou o milagre da união sagrada. É preciso que cada um de seus filhos seja um soldado da grande causa. Rio Grande, de pé pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino heroico!”
O apelo cívico foi prontamente atendido, e em poucos dias, cerca de 50 mil voluntários se apresentaram para a luta. O Rio Grande do Sul estava em pé de guerra, e esse sentimento espraiou-se pelo Brasil.
Decorridos os anos da década de 1930, até o fatídico dia 24 de agosto de 1954, muitos foram os momentos tensos, às brigas encarniçadas pelo poder, e dentro delas, a acidez de sentimentos altamente corrosivos.
Como quase sempre ocorre, a comunicação drástica (que todo ato suicida traz), veio por escrito, desta feita numa carta testamento, endereçada ao povo brasileiro, com destaque para os seguintes e significativos trechos:
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado”.
Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue”. “Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater a vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação”.
Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória”.
Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate”.
A comunicação trágica pela via do suicídio, reflete o grito rouco de quem não conseguiu ser ouvido empaticamente e compreendido em vida.
Não que o viés a se considerar, em situações semelhantes, seja o da concordância com o ato extremado, nem com as propostas apresentadas, mas algo como um alerta para a necessidade de se ouvirem as pessoas, ativa e respeitosamente (ainda que de forma discordante); e que haja a predisposição de flexibilizarem-se posições e esgotarem-se todas as chances de diálogos sinceros, isentos de todos e quaisquer tipos de preconceitos.

O suicídio é um ato radical, cometido por alguém que sofre de extrema solidão, e que só consegue se comunicar através da tragédia que o próprio ato representa, muitas vezes acompanhado de um melancólico bilhete explicativo.
Rua do Catete (RJ), após o suicídio de Getúlio Vargas (24.08.1954)

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Os cinco vídeos postados a seguir, fazem um reexame dos momentos que antecederam o suicídio de Getúlio Vargas e mergulha nos bastidores do atentado da Rua Tonelero, contra o jornalista e político Carlos Lacerda, 19 dias antes da morte do presidente. O documentário tem locações em Porto Alegre e São Borja (RS), em Brasília e no Rio de Janeiro, com gravações no Palácio do Catete.




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