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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O VOO DA FÊNIX

A fênix, segundo a mitologia, é uma ave fabulosa, única da sua espécie, que, depois de viver 300 anos, consegue pousar num braseiro e deixando-se arder, renasce, em seguida, das próprias cinzas, simbolizando a alma e a imortalidade. Figurativamente, a palavra também pode ser usada para qualificar pessoas ou coisas raras, geralmente superiores a todas as outras.
À parte disso, talvez uma das sensações mais sofridas seja a da percepção da morte próxima, do sentir-se queimando em vida. Especialmente quando a vida, o viver e o conviver estão fluindo satisfatoriamente, quando em meio à felicidade apresenta-se a probabilidade da morte prematura.
Nesta semana, cenas de violência urbana ressurgiram nas telas dos televisores brasileiros, reiterando o já corriqueiro estado de insegurança institucionalizada. É terrível ouvir e ver cenas de pavor e desespero, como as de pessoas fugindo sem a mínima noção de como livrar-se de tiros cruzados, ou a de uma mulher no interior de um apartamento pedindo para alguém proteger-se, e uma voz masculina mencionar o estado em que ficou um freezer todo perfurado de balas de grosso calibre.
A coisa está tão banalizada que é comum intercalarem-se entre as notícias trágicas, reportagens que falam de amenidades, provavelmente, na tentativa de suavizar o apavorante clima de guerra. Aquilo que deveria, por si, ser uma forte razão para enlutar um bairro, um estado ou uma nação, apenas entra no rol das notícias do dia a dia.
Isto acontece não só quando os assustadores tiroteios pipocam e as balas (não tão perdidas) zunem sobre as cabeças apavoradas de um povo acuado, amedrontado, mas também quando a iminente possibilidade da morte desponta nos corredores dos hospitais infectos e malcuidados, desassistidos de material humano e cirúrgico, com equipamentos sucateados, e faltos dos mais elementares remédios e acessórios necessários aos cuidados de saúde.
Paralelo ao caótico quadro de angústia generalizada, mas até agora, de certa forma, contida nos porões das mentes hiperexcitadas pelo medo, também mostra-se ofegante e combalido o sistema educacional, que de certa forma, para alguns, já morreu por má administração, descuido, incompetência, e até má intenção, chegando ao ponto de deseducação evidente, em que muitos pais questionam se devem ou não devem encaminharem os filhos para uma escola pública. O risco das crianças, jovens, ou adultos que precisam ser educados, desviarem-se involuntariamente para um ambiente mais nocivo que útil, é perturbador.
Mas, voltando às questões da violência urbana e da desassistência de saúde, é de cortar os mais endurecidos corações, quando se percebem pessoas desesperadas, em ambas as situações, querendo viver e sentindo a vida ser ceifada precocemente. Se esses seres humanos lutam e procuram agarrar-se à vida é porque eles fizeram as suas partes quanto ao bem relacionarem-se com seus pares, em meio a momentos íntimos de felicidade. Entretanto, no melhor da festa, plenas de vontade de viver, a cruel possibilidade de sair de cena surge.
Sentimentos de impotência, abatimento, saudade cortante, e desesperança, promovem quadros emocionais dantescos, ainda que, para muitos sejam imperceptíveis. Quando se ama a vida e se percebe que ela se esvai, a dor maior é a da saudade daqueles que ficarão.
A expressão “sair no melhor da festa”, que usei acima, imagino que também seja bem representativa no contexto atual, quando o índice de suicídio de crianças e jovens, tem aumentado há alguns anos.
A vida, no padrão adotado nos últimos tempos, em que a permissividade tomou conta da sociedade como um todo, quando os três poderes se esgarçaram ao ponto de mais atrapalharem do que resolverem as questões a que se destinam, tem sido uma espécie de pesadelo para muita gente.
Dizer que tudo passará, que as dores do mundo fazem parte da vida na terra, é minimizar a dor alheia, e referendar os desacertos que não são poucos e são fatores contributivos de dores inomináveis.
Em meio a cenários de corrupção generalizada e epidêmica, da propagação e até de motivações de condutas degenerantes, a multidão perde-se quando opta pela alegria em detrimento da felicidade, assumindo as sugestões intencionais de corromperem-se a moral e os bons costumes.
O imbróglio está formado: corrompido no direito a segurança, a dignidade, a educação e a saúde, sendo usado como joguete nas mãos de mentes ardilosas e muito próximas das dos sociopatas, a população tem adotado o comportamento dos bons cabritos, e usualmente, não berra pelos seus direitos.
É tudo o que as aves de rapina mais almejam: a passividade de suas presas.
A fênix mitológica que experimentou as atribulações vivenciadas por trezentos longos anos, jamais acomodou-se na cinza dos braseiros da vida, pelo contrário, na eventual circunstância de neles pousar, adotou o comportamento resiliente, de impulsionar-se, ressurgir e erguer-se na direção de novos horizontes, na perspectiva de buscar vida plena e renovada, erguendo-se das cinzas.
Ainda há tempo para seguir a dica piagetiana, da não passividade, de trilhar a vida com o propósito de construir, desconstruir, e reconstruir o ambiente psíquico, mil vezes se necessário for, até alcançar a glória de não mais pousar nalguma fogueira, mas sim num ninho aconchegante, pleno de paz, progresso e felicidade.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

A XENOFOBIA DE LÁ E DE CÁ

A assertiva de que “o pau que bate em Chico, também bate em Francisco”, quando inserida no contexto da migração e das consequentes cenas de xenofobia, vem bem a calhar. Isto é, tanto acontece rejeições aqui, quando alguns conterrâneos repudiam a presença de estrangeiros, quanto lá, em terras distantes, quando também conterrâneos nossos sofrem humilhações, privações, explorações, em meio a saudades lancinantes que parecem rasgar o peito de tanto doer.
E ir para lá, ou ficar por aqui, nem sempre é uma mera questão de preferência, como se faz quando se planeja um passeio, mas sim de imposição das circunstâncias da vida.
A aversão ou rejeição a pessoas ou coisas estrangeiras, a antipatia, a desconfiança, o temor por pessoas estranhas a seu meio, ou pelo que é incomum, dá-se o nome de xenofobia. Trata-se de um fenômeno que esteve presente ao longo de toda a história da humanidade e que também se faz presente nos dias atuais.
  O sentimento xenófobo, como tantos os outros, ocorre numa via estreita e de mão dupla, quer dizer: os nacionais de um país “A”, que repudiam a entrada de pessoas vindas de um país “B”, também poderão sentir o peso e o desconforto da aversão, da antipatia e da desconfiança, direta ou indireta, quando se inverte o papel.
A avançada tecnologia das comunicações, a velocidade delas, e a amplitude de seu alcance, têm proporcionado uma sensação de sermos senhores e senhoras do mundo, e até já se cogita de avançar a caminhada humana também pelo Universo sem fim. Mas, paradoxalmente, nós mesmos delimitamos os nossos respectivos territórios, ou melhor dizendo, o nosso espaço. Dito de outra forma, queremos e precisamos uns dos outros para avançar como sociedade humana, mas parece que a desunião será a nossa eterna companheira a dificultar o avanço moral e, talvez até o espiritual.
A dimensão desse problema social é imensa e abrangente, e não se circunscreve apenas a questões políticas, sociológicas, ideológicas, nem humanitárias. A questão é de grande complexidade, e abarca aspectos de direitos e deveres, de patriotismo, de tradições e de cultura, de segurança e medo, e até de religiosidade, entre outras.
A migração, que inclui a imigração (movimento de entrada) e a emigração (movimento de saída), pode ter origem, entre outros fatores, no aspecto puro e simples da mera sobrevivência.
Contrapondo-se ao fluxo migratório, em alguns países organizam-se movimentos de repúdio à entrada de estrangeiros, os quais atuam sob o viés do preconceito, do racismo, e até dando um certo tom desumano e cruel ao relacionamento humano.
Explicações e justificativas existem para todos os gostos. Nada contra ou a favor delas, mas argumentar que todos que chegam ao Brasil são terroristas e milicianos em potencial, ou ameaçam aumentar a fila dos 14 milhões de desempregados, é de uma insensatez abissal, é também dar as costas ou fechar as portas para seres humanos que imploram ajuda para sobreviver dignamente, trabalhando.
Como está, fácil não é, mas certamente, ainda estamos numa posição mais confortável do aqueles que nos imploram socorro.
Não nos iludamos: o êxodo no mundo crescerá na mesma proporção do aumento da população mundial, das guerras engendradas por quem sempre esteve de barriga cheia, pelo avanço desenfreado do comunismo e de sua maior aliada: a corrupção.
Por paradoxal que pareça prefere-se, então, atiçar uma relação de racismo, calcada na concepção do mundo sob o viés de que os valores de uma determinada sociedade é o único parâmetro válido para se julgar outras culturas ou sociedades, cujos indivíduos passam a ser vistos sob suspeição. A isto dá-se o nome de etnocentrismo (que pode ser velado, ou escancarado).
O fato é que, quando se focaliza a pessoa que sai pelo mundo em busca de dias melhores, é comum nela sobressair uma saudade imensa, abalos emocionais muitas vezes inconfessos, medo, estranhamento, apreensão, vergonha, pressões, depressões, solidões, e dúvidas que estão sempre ao alcance do radar psíquico dessas criaturas, que, quase sempre, desdobram-se em concessões, em atitudes de tolerância extremada e humilhante, sempre em detrimento de si mesmas. E isso é uma carga emocional imensa.
Não são raras as vezes que, em conversa com a pessoa que está longe das suas raízes, surja um misto de autoafirmação, de necessidade de focalizar o bem-estar na paisagem do lugar, das facilidades, do progresso, da boa funcionalidade das instituições, do custo de vida e dos salários compensadores, do avanço tecnológico, e até da gastronomia. Entretanto, quando tangenciam-se temas como a família, as relações afetivas, a solidão, o trabalhar de sol a sol, as características comportamentais dos nativos em relação a elas, o semblante logo traduz uma certa tristeza, e um ar de incompletude surge.
As migrações geram vários encontros de povos de diferentes culturas, raças, credos e religiões. No geral, é algo positivo. O Brasil, por exemplo, é um país rico em diversidade cultural e étnica. Contudo, quando os nativos passam a não aceitar os imigrantes, há um grave problema social. Ultimamente, o fluxo migratório na direção de terras brasileiras tem agitado muita gente por aqui. A recepção, por vezes nada amistosa, vai da verbalização de insultos a agressões físicas, e até a vias de fato.

Chegamos a um passo da barbárie.



quinta-feira, 14 de setembro de 2017

TRABALHO: PRESSÃO, DEPRESSÃO E SUICÍDIO

Desde sempre fomos levados a acreditar que “o trabalho dignifica o homem”. Entretanto, poucos complementam a frase com a intenção de deixar claro que o labor dignifica o ser humano quando ele não é escravizado, quando as condições e as recompensas o valoriza, não apenas como mão de obra, mas sobretudo com pessoa.

A busca pela sobrevivência exige esforço, dá trabalho, e é inerente à vida de todas as espécies, contudo, a dos seres humanos tem um fator importante: o da conscientização, da vontade, do querer ou não querer submeter-se às pressões que a maioria dos ambientes laborais propiciam.

Se antes, quando o trabalho escravo era escancarado, havia o chicote a ditar as regras de produção e de qualidade, hoje o açoite no lombo dos trabalhadores ocorre de forma moral, pela via das exigências de produtividade e da competitividade. Não bastassem essas duas palavras exercerem uma pressão descomunal, ainda acontecem, mutuamente, as coerções entre empregadores, empregados, e agentes públicos (corruptores ou corrompidos), tudo isso num insano “salve-se quem puder”.

E aqui, pelo menos, o sentido da palavra “trabalhador” é dado para abarcar todos aqueles que trabalham, e que exercem algum esforço produtivo.

A escravidão humana, rasgada, e a céu aberto, não cessou por questões humanitárias, mas sim, segundo o antropólogo zairense Kabengelê Munanga, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), e autor de Cem Anos de Bibliografia Sobre o Negro no Brasil, em razão de “um fenômeno social ligado às exigências das economias industriais, que precisavam mais de mercados consumidores do que de mão de obra nas colônias”.

Muitos poderão argumentar que tudo isto é muito natural que ocorra, e encontrar mil explicações e justificativas, mas, é também uma baita de uma imoralidade termos que, para sobreviver, passar como rolos compressores por cima dos direitos alheios, da dignidade humana, do bem-estar das outras pessoas, negligenciando os sofreres uns dos outros.

Ilude-se quem imagina que a barbárie escravagista cessou, ou sequer, minimizou. Ela esconde-se na exploração do homem pelo homem, em todos os regimes políticos, em qualquer deles, e em todos os níveis, em todos os sentidos, de forma horizontal, vertical, ou transversal na escala da cadeia produtiva ou social.

Arqueólogos americanos e egípcios descobriram que os escravos mantidos à força, que ralaram a vida toda carregando enormes blocos de pedra para construírem as pirâmides do Egito, eram, na verdade, trabalhadores livres, bem alimentados e, em sua grande maioria, não eram estrangeiros. A teoria resultou dos estudos realizados no compasso das escavações que se sucederam em duas vilas descobertas no início deste século, na planície de Gizé, que abrigaram cerca de 20 mil pessoas durante a quarta dinastia egípcia (há cerca de 4500 anos), época em que as grandes pirâmides foram erguidas.


Tudo leva a crer, pelos indícios encontrados nas tumbas dos construtores das pirâmides, à vista de alguns corpos que apresentavam marcas de fraturas curadas, membros amputados e até cirurgias cerebrais, que (segundo os arqueólogos), os trabalhadores recebiam tratamento médico compatível com o que se dispunha na época, em termos de assistência digna e adequada, tudo às custas do faraó. Na Cidade dos Trabalhadores foram encontradas centenas de fragmentos de formas de pão, jarras de cerveja, ossos de animais domésticos, e camas de barro que eram forradas com palha.

Para os pesquisadores, tratava-se de um bem estruturado alojamento para camponeses que, em períodos de entressafra, formariam frentes de trabalho temporárias, para a construção dos monumentos. Inclusive, na pirâmide de Quéops, os achados indicam, segundo esses mesmos estudiosos, que os componentes das equipes de trabalho sentiam-se orgulhosos ao completarem as suas tarefas, levando isso à suposição de que eles, ao final, eram bem recompensados.

Nos dias atuais, em que predomina a tecnologia, ainda se negligencia a pessoa do trabalhador que coloca as máquinas e os equipamentos para funcionar.

Festeja-se hoje a existência de alguma empresa, cuja política seja calcada na valorização e na dignidade da pessoa do trabalhador, e até mesmo dos patrões. Uma Google, por exemplo, que incentiva para que os funcionários trabalhem em horários segundo a escolha deles mesmos, que cuidem do corpo e da mente no próprio ambiente laboral, ainda é uma raridade. E parece que ninguém desconhece o sucesso desse grupo empresarial.



No campo ou nas cidades, uns criam excessos de calosidades nas mãos, outros desgastam a mente e também o corpo com exigências acima do suportável.

O abalo emocional resultante do trabalho, das circunstâncias e do contexto laboral em todas as esferas, tem produzido enormes pressões sobre aqueles que produzem, ao ponto de ocasionarem afastamentos e incapacitações, depressão, doenças nervosas e mentais, resultando em muitos casos de suicídio.

Uns suportam a carga pesada e aparentam normalidade, outros, estão no limite de suas forças. Assédio moral, exploração da força de trabalho, pressões as mais diversas, e uma fila de desempregados que não para de crescer.



Um quadro pintado a muitas mãos e que precisa ser modificado, o que só ocorrerá quando entendermos que de nada adianta o progresso científico, tecnológico, industrial, comercial, se o ser humano e a sociedade como um todo negligenciar a si próprios, naquilo que se tem de mais importante e sensível: a pessoa, com todas as suas peculiaridades subjetivas, os sentimentos e as emoções.