A fênix, segundo a mitologia, é uma
ave fabulosa, única da sua espécie, que, depois de viver 300 anos,
consegue pousar num braseiro e deixando-se arder, renasce, em
seguida, das próprias cinzas, simbolizando a alma e a imortalidade.
Figurativamente, a palavra também pode ser usada para qualificar
pessoas ou coisas raras, geralmente superiores a todas as outras.
À parte disso, talvez uma das
sensações mais sofridas seja a da percepção da morte próxima, do
sentir-se queimando em vida. Especialmente quando a vida, o viver e o
conviver estão fluindo satisfatoriamente, quando em meio à
felicidade apresenta-se a probabilidade da morte prematura.
Nesta semana, cenas de violência
urbana ressurgiram nas telas dos televisores brasileiros, reiterando
o já corriqueiro estado de insegurança institucionalizada. É
terrível ouvir e ver cenas de pavor e desespero, como as de pessoas
fugindo sem a mínima noção de como livrar-se de tiros cruzados, ou
a de uma mulher no interior de um apartamento pedindo para alguém
proteger-se, e uma voz masculina mencionar o estado em que ficou um
freezer todo perfurado de balas de grosso calibre.
A coisa está tão banalizada que é
comum intercalarem-se entre as notícias trágicas, reportagens que
falam de amenidades, provavelmente, na tentativa de suavizar o
apavorante clima de guerra. Aquilo que deveria, por si, ser uma forte
razão para enlutar um bairro, um estado ou uma nação, apenas entra
no rol das notícias do dia a dia.
Isto acontece não só quando os
assustadores tiroteios pipocam e as balas (não tão perdidas) zunem
sobre as cabeças apavoradas de um povo acuado, amedrontado, mas
também quando a iminente possibilidade da morte desponta nos
corredores dos hospitais infectos e malcuidados, desassistidos de
material humano e cirúrgico, com equipamentos sucateados, e faltos
dos mais elementares remédios e acessórios necessários aos
cuidados de saúde.
Paralelo ao caótico quadro de
angústia generalizada, mas até agora, de certa forma, contida nos
porões das mentes hiperexcitadas pelo medo, também mostra-se
ofegante e combalido o sistema educacional, que de certa forma, para
alguns, já morreu por má administração, descuido, incompetência,
e até má intenção, chegando ao ponto de deseducação evidente,
em que muitos pais questionam se devem ou não devem encaminharem os
filhos para uma escola pública. O risco das crianças, jovens, ou
adultos que precisam ser educados, desviarem-se involuntariamente
para um ambiente mais nocivo que útil, é perturbador.
Mas, voltando às questões da
violência urbana e da desassistência de saúde, é de cortar os
mais endurecidos corações, quando se percebem pessoas desesperadas,
em ambas as situações, querendo viver e sentindo a vida ser ceifada
precocemente. Se esses seres humanos lutam e procuram agarrar-se à
vida é porque eles fizeram as suas partes quanto ao bem
relacionarem-se com seus pares, em meio a momentos íntimos de
felicidade. Entretanto, no melhor da festa, plenas de vontade de
viver, a cruel possibilidade de sair de cena surge.
Sentimentos de impotência,
abatimento, saudade cortante, e desesperança, promovem quadros
emocionais dantescos, ainda que, para muitos sejam imperceptíveis.
Quando se ama a vida e se percebe que ela se esvai, a dor maior é a
da saudade daqueles que ficarão.
A expressão “sair no melhor da
festa”, que usei acima, imagino que também seja bem representativa
no contexto atual, quando o índice de suicídio de crianças e
jovens, tem aumentado há alguns anos.
A vida, no padrão adotado nos últimos
tempos, em que a permissividade tomou conta da sociedade como um
todo, quando os três poderes se esgarçaram ao ponto de mais
atrapalharem do que resolverem as questões a que se destinam, tem
sido uma espécie de pesadelo para muita gente.
Dizer que tudo passará, que as dores
do mundo fazem parte da vida na terra, é minimizar a dor alheia, e
referendar os desacertos que não são poucos e são fatores
contributivos de dores inomináveis.
Em meio a cenários de corrupção
generalizada e epidêmica, da propagação e até de motivações de
condutas degenerantes, a multidão perde-se quando opta pela alegria
em detrimento da felicidade, assumindo as sugestões intencionais de
corromperem-se a moral e os bons costumes.
O imbróglio está formado: corrompido
no direito a segurança, a dignidade, a educação e a saúde, sendo
usado como joguete nas mãos de mentes ardilosas e muito próximas
das dos sociopatas, a população tem adotado o comportamento dos
bons cabritos, e usualmente, não berra pelos seus direitos.
É tudo o que as aves de rapina mais
almejam: a passividade de suas presas.
A fênix mitológica que experimentou
as atribulações vivenciadas por trezentos longos anos, jamais
acomodou-se na cinza dos braseiros da vida, pelo contrário, na
eventual circunstância de neles pousar, adotou o comportamento
resiliente, de impulsionar-se, ressurgir e erguer-se na direção de
novos horizontes, na perspectiva de buscar vida plena e renovada,
erguendo-se das cinzas.
Ainda há tempo para seguir a dica
piagetiana, da não passividade, de trilhar a vida com o propósito
de construir, desconstruir, e reconstruir o ambiente psíquico, mil
vezes se necessário for, até alcançar a glória de não mais
pousar nalguma fogueira, mas sim num ninho aconchegante, pleno de
paz, progresso e felicidade.