“Filho meu se apanhar na rua, quando chegar em casa apanhará mais”, diz um dos pais (ou ambos, numa só voz). Quer dizer: pressionam-se os filhos para revidar agressões com mais violência, e não se motiva para o amor, nem para o perdão.
Sem querer avançar pelo terreno movediço da “filosofia barata”, medindo e pesando cada letra, arrisco-me a tecer algumas considerações sobre a predominante tendência de muitas pessoas absterem-se das declarações de amor, e a fugirem da palavra “amigo”.
Já ouvi um cidadão, de seus 75 anos de idade, dizer (como se fosse algo meritório), que “está casado há mais de 50 anos e nunca declarou o seu amor pela esposa”. Fez uma festa de arromba, para comemorar as bodas, mas, sem verbalizações “comprometedoras” de seu amor.
Com relação a palavra AMIGO (que muitos preferem usá-la de forma parcimoniosa e seletiva), vale lembrar que, em razão de sua derivação, a partir do latim amicus, especulam-se principalmente duas possibilidades: a primeira, é de que a expressão venha de amare (amar); e a segunda, é de que ela viria de animi (alma), e custas (custódia), ou seja, o termo AMIGO, equivaleria a expressão “guardador de alma”, ou alguém que toma conta da alma de outro.
Há um certo clima de constrangimento quanto a intenção de se dizer “eu te amo”, e até para muitos, a palavra “amigo”, por vezes, exerce uma espécie de invasão.
Entre os casais enamorados, durante a fase de conquista, as declarações de amor até tornam-se corriqueiras, mas muita gente se queixa que depois dessa fase, o sentimento nobre, antes declarado e reiterado um monte de vezes, se retrai, até se esconde, e fica numa espécie de hibernação.
Entretanto, quando “o sangue ferve e sobe à cabeça”, quando a ira toma conta da emoção evidenciada pelo empalidecer, ou enrubescer da face, pelo tremor dos lábios e das mãos, as declarações espontâneas e morbidamente prazerosas de raiva ou ódio, fluem com grande facilidade.
Não bastassem as guerras que pipocam por várias regiões do globo terrestre, também do lado de dentro de nós, os conflitos ecoam com um ruído ensurdecedor. Tanto que, quando perdemos as estribeiras, a impulsividade dita as iniciativas raivosas.
Aprendemos a cultivar a corrosiva mágoa, a não levar desaforo para casa, e isto está colocado no sentido de não se tolerar nada que, imaginemos, ameace a nossa integridade física ou moral. Nesse sentido, os critérios que usamos para avaliar se querem ou não invadir o nosso território psíquico, a nossa intimidade de valores éticos e morais, ficam a depender, quase sempre, do momento, ou do nosso bom ou mau humor.
Raras são as pessoas que privilegiam a manutenção da serenidade, abstendo-se do revide. Quem duvida desse fato, é só observar as explosões emocionais ocorridas no trânsito, entre pedestres e motoristas, e entre eles mesmos: basta um leve descuido, uma reles barbeiragem, e o incêndio ocorre; um esbarrão, e os ânimos se exaltam. De tão reativo, de tão “bateu levou”, criamos boas e fartas condições para a instalação de cânceres e ataques cardíacos precoces, a nosso desfavor.
Dá a entender (pelo menos para mim), que se fôssemos educados não com base no revide, mas sim pelo viés da compreensão, da aceitação, de perceber as pessoas como elas são e estão (talvez num momento crucial de suas existências), nos aproximássemos mais daquele outro sentimento que tanto buscamos: a paz.
Precisamos, cada vez mais, exercitar a sincera declaração de amor. O “eu te amo” é um bálsamo, uma espécie de “tônico revigorante” que fortifica laços afetivos entre os casais e também entre familiares, e até amigos.
Há quem seja inibido para falar de amor, e fluente para mencionar desprezo, desdém pela outra pessoa.
Ressabiados com estamos, de um modo geral, e por conta de muitas e muitas decepções, desilusões terríveis, nos armamos de duras carapaças sentimentais e emocionais, na tentativa de protegermo-nos de invasões indesejáveis… Quer dizer, muitas vezes rodopiamos em torno do Bem, sem tomarmos a iniciativa dele, e abraçamos a, digamos, formalidade no trato, preferindo o eterno estado de vigília, só para não sofrer algum “desapontamento fraternal”.
A vida, curta e rápida como ela é, poderá nos dar a oportunidade de vivê-la intensamente, mesmo transitando entre o quente, o morno e o frio dos sentimentos e das emoções, mas essas diversidades de temperatura poderão ser, em várias ocasiões, ajustadas por nós mesmos. Nos dizeres do “Movimento pela Paz”, a paz do mundo começa em mim, começa dentro de você que ora ajuda-me a refletir sobre este tema vital para a humanidade. Sem amigos e amores sinceros, estaremos fadados a uma vida atribulada, tórrida e árida, seca como um deserto, onde veremos ameaças até na nossa própria sombra.
Para reverter o quadro, basta que todos estendamos a mão, querendo de fato, estendê-la. Pouco ou nada adiantam os apertos de mãos formais, dados com as pontas dos dedos, nem os cumprimentos expressados por um balbuciar entredentes, de palavras vãs e sem sentido para quem as verbalizam, mais um penduricalho social, e que no modelo atual, tornou-se (para usarmos uma palavra da moda), algo coercitivo, obrigatório.
Nossas máscaras sociais, usadas a todo instante, pesam demais, e nos leva a trilhar por veredas escorregadias, que nos impedem de ser mais verdadeiros e felizes. E, ainda assim, continuamos renitentes na posição de ariscos, sempre com um pé atrás em relação ao outro.
Se atitudes arredias afastam, os gestos de cordialidade aproximam, cativam e unem.