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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

AS FILHAS DEVASSAS DA MENTIRA




Nos últimos tempos a palavra crise tem sido uma das mais pronunciadas no território brasileiro. Acima dela está o vocábulo corrupção, que de tão indigna e abjeta, nem merece ser qualificada como vocábulo, mas como depravação pura e simples, imoralidade mesmo, perversão, deterioração, putrefação do tecido social.
No caso brasileiro, os rombos incalculáveis nos cofres públicos, a falência do sistema de saúde e da educação, da previdência social, da segurança, dos valores morais de muitos cidadãos brasileiros, ocorrem como consequência da gana desesperada de se querer levar vantagem em tudo, e sem a menor preocupação com ferir-se ou não as leis e os direitos individuais. Douram-se as pílulas venenosas da maldade desenfreada com as meias-verdades dos direitos humanos, mas por outro lado, roubam-se desses mesmos seres a dignidade de serem respeitados e bem acolhidos pelo famigerado SUS, ou nas escolas que estão aos cacos, ou ainda por qualquer um dos órgãos públicos sucateados e repletos de funcionários mal pagos e sem ânimo para evoluir na carreira.
Corruptos e corruptores costumam repetir suas mentiras como um mantra, na tentativa de as perpetuar como se verdades fossem. E para dar solidez a essa espécie de obsessão, afundam-se em outras tantas inverdades. Para eles, o que mais importa é levar vantagem em tudo e a qualquer custo, mesmo que atropelem as leis e os direitos alheios. O corrupto, “padrão mentiroso compulsivo”, na sua essência, assemelha-se a um psicopata que, de tão compenetrado em manter as aparências de pessoa ilibada, surpreende a muitos quando o escândalo vira notícia.
A mentira é fértil geradora das corrupções e das crises consequentes dela.
Talvez, alheio aos estudos da psicologia, Gérson, o famoso meia-armador da seleção canarinho de futebol, tido como o “cérebro do time brasileiro campeão da copa do mundo de 70”, quando corria o ano de 1976, atuou numa propaganda televisiva de uma marca de cigarros que queria se firmar no mercado tabagista nacional.
A frase de efeito usada para alavancar a peça de marketing, falava em “levar vantagem em tudo”, o que, com o passar do tempo, foi entendido pela população como uma tendência nada comprometida com as posturas de ética e de moralidade que todos deveríamos primar por adotá-las.
Ainda hoje o craque lamenta ter emprestado o seu nome e a sua imagem para algo que, no final das contas, aponta para o lado menos meritório de uma parcela da população que adota a desonestidade como jeito de levar vantagem perante as instituições governamentais ou privadas, e até entre as pessoas.
No mundo, a corrupção tem emporcalhado a imagem de nações inteiras, de personagens famosos, e levado fome e miséria por onde conseguiu se instalar.
O Brasil vivencia o fenômeno das crises em cascata, ou seja, das crises que geram tantas outras.
Sonhar com a ausência dos percalços morais de uma sociedade é legítimo, já que em outras plagas do planeta, a honestidade parece ser, além de um dever, um dom.
Pôr em prática as posturas psicológicas sugeridas pela Teoria Humanista dos notáveis psicólogos norte-americanos Carl Ransom Rogers (1902-1987), e Abraham Harold Maslow (1908-1970), ou seguir quaisquer outras orientações moralizantes, filosóficas ou religiosas, em determinadas ocasiões, podem representar um sério desafio para quem ainda transita com os olhos arregalados pela cobiça de em tudo ver um trampolim para engordar as contas bancárias, ou de alcançar rápido sucesso, mesmo que cumpliciando-se com a trapaça. Ser ou não ser honesto quando tanta impunidade ainda reina por aqui?
Não é à toa que uma multidão não faça a menor cerimônia de declarar apoio aos contumazes corruptos e corruptores de sempre, e àqueles outros que ainda estão enrustidos.
As tensões de viver num ambiente gerador de escândalos, e que tem agregado a falta de ética como padrão institucionalizado, é uma verdadeira seção de atrapalhos.
Quem trilha pelos caminhos do humanismo, ou de qualquer outro ditame moral, pode até sentir-se em descompasso com o pensamento de muitos formadores de opinião, e de outros tantos líderes negativos.
A crise moral, instituída em nosso território, e em terras além das nossas fronteiras, abarca e atinge parte da população mundial, dando até a impressão que a parcela de honestos e de boa índole esteja equivocada por assumir a honradez acima de tudo.
Existem crises que maltratam muita gente, mas também existem várias alternativas para amenizarem-se, por exemplo, as crises emocionais que circundam o mundo exterior de cada cidadão de bem, ou ajudar a superá-las; uma delas está na prática da Teoria Psicológica Humanista.
A seu turno, Rogers sugere que todo ser humano tem em si a capacidade de ser bom, de amar, e de bem equacionar os seus problemas (as suas crises).
Maslow, por sua vez, aponta para uma certa hierarquia das necessidades humanas, que devem ser superadas pela via da compreensão e do respeito interpessoal, da vida aprumada e nivelada com o que é bom, útil e legal.


Um dos grandes feitos de Maslow foi dar uma forma esquemática às necessidades humanas, apresentando-as numa pirâmide que leva o seu nome, cujos patamares superiores, em princípio, só serão alcançados após se conquistarem aqueles mais próximos da base, sob pena de se vivenciarem, também, crises existenciais.
Para explicar melhor, a tal pirâmide organizada por Maslow, estudada, criada e proposta na década de 50, com os seus 5 níveis de necessidades, sobreposto em três blocos (das necessidades BÁSICAS, PSICOLÓGICAS e de AUTORREALIZAÇÃO), vai aqui um resumão dela: na base estão as necessidades FISIOLÓGICAS do ser humano (a respiração, a comida, a água, o sexo, o sono, o equilíbrio do funcionamento interno do corpo, a excreção, entre outros). Logo acima vem o patamar da SEGURANÇA da pessoa, como o emprego, os recursos, a moralidade, a família, a saúde, a propriedade, o bem-estar enfim. Quem conquista esses dois primeiros degraus, procurará subir um pouco mais, para alcançar o das RELAÇÕES SOCIAIS, em busca da amizade, da formação e consolidação da família, bem assim, da intimidade sexual. A próxima conquista é a da ESTIMA, isto é, da autoestima, da confiança, do respeito dos outros, e do respeito aos outros. Por derradeiro, chega-se ao topo, na tão cobiçada REALIZAÇÃO PESSOAL, calcada na moralidade, na criatividade, na espontaneidade, na habilidade para a solução dos problemas, nos ajustes para manter-se ausente de preconceitos, e para a aceitação dos fatos.

Deixar para trás a tentação de querer em tudo levar vantagem, parece ser um fator dissuasivo das crises, ou uma atenuante para os apuros ou dificuldades próprias do ato sublime de viver, conviver e sobreviver.



sábado, 2 de dezembro de 2017

ANGÚSTIAS E ANSIEDADES (BOAS E MÁS)


Entre os meses de novembro de 1998 e fevereiro de 1999, Amyr Klink, então com 44 anos de idade, deu uma volta ao mundo pela rota mais perigosa: os mares que rodeiam a Antártida.
Cruzar o oceano Atlântico sozinho, e no braço, remando e superando os desafios que uma aventura desse porte possibilita, não é pouca coisa.
Numa de suas declarações o navegador disse que “no fim da travessia, sentia uma mistura de cansaço e prazer que deve ser parecida com o que sente um maratonista quando está percorrendo seu último quilômetro numa corrida. Ele até pode estar sentindo dor, mas já vê o fim da prova”. Dessa ansiedade, Amyr gostou. Quer dizer, há momentos na vida em que apreciamos o futuro incerto e perigoso, e sentimos um certo prazer. Os atletas de esportes radicais experimentam esse tipo de ansiedade boa.
Quem viaja sozinho em um barco, não tem tempo de sentir solidão, e a ansiedade ruim não encontra campo fértil numa mente que gosta do que está fazendo, e nem percebe o ambiente solitário como monótono.
Só para lembrar de outros solitários do mar, vale registrar a performance dos jangadeiros nordestinos e pescadores em geral, que aventuram-se mar adentro em busca de seus produtos. Eles sabem que, embora o espaço físico da jangada ou barco seja exíguo, sempre haverá um monte de coisas para serem feitas, e que elas ajudam a passar o tempo, a dissipar a solidão, e a ansiedade também.
Os romancistas e escritores solitários, que têm prazo para entrega dos seus textos, gostam dessa solidão, da ansiedade gerada pelo desafio de produzirem boas matérias escritas, mas podem experimentar uma certa angústia quando, por exemplo, justamente as melhores ideias estejam aflorando, e o computador travar e não se conseguir mais voltar à normalidade.
Mas, nesse ramo de atividade há também os jornalistas, que amam o borborinho de uma redação agitadíssima, com as naturais ansiedades de ver o tempo passar e tudo ter que estar pronto, com hora marcada para ser publicado (com a possibilidade de surgirem novos fatos em cima da hora, e ter que se refazer todo material já escrito). Aqui ficam bem caracterizadas a ansiedade (“o tempo passa e o texto ainda não está pronto, consequentemente, a divulgação estará ameaçada num futuro que se aproxima”), e a angústia, pelo fato de ter que produzir num ambiente agitado, e ter que focar no tema central do texto, enfim, de concatenar bem as ideias, com começo, meio e fim, sob forte pressão.
Evidencia-se, então, que ansiedade e angústia se confundem, mas não são sinônimas.
Para Freud, a angústia do nascimento, provocada pela separação do novo ser que aparta-se do corpo da mãe, é a manifestação mais primitiva desse sentimento. Quer dizer, a angústia nossa de cada dia, já nos acompanha há algum tempo, e não nos abandonará “até o último suspiro”.
As incertezas conjunturais, tanto no Brasil quanto no mundo, nós coloca imersos numa crise política, social e econômica sem precedentes, o que preocupa de um modo geral a sociedade brasileira, trazendo mal-estar para todos nós. Nessa circunstância, e no contexto global, a ansiedade (clima de apreensão exagerada em relação ao futuro), é potencializada, e a angústia (aflição relacionada ao presente), também ganha destaque.
Há quem afirme que ansiedade e angústia são as mesmas coisas, e há quem bem defina ambas, e mostre que não é bem assim. Enquanto a ansiedade se estabelece em razão das apreensões exageradas com as coisas que ainda não aconteceram, que ainda fazem parte do futuro, a angústia se refere a uma aflição relacionada com o agora.
Também, segundo a concepção psicanalítica freudiana, são três os tipos de ansiedades: a realística (gerada por um tipo de medo de alguma coisa do universo de fora da pessoa, como a expectativa de estar fazendo algo que resulte em punição); a moral (consequente ao medo de ser punido, e sentir culpa); e neurótica (um medo inconsciente, que não se sabe a razão).
Contudo, há pessoas que adaptam-se a atividades profissionais, voluntárias, ou recreativas, necessariamente solitárias, e elas gostam do que fazem, manejam com certa facilidade, e habilidade, tanto a angústia, quanto a ansiedade, sem sentirem monotonia.
Segundo William H. Frey, bioquímico, professor do Departamento de Neurologia da Universidade de Minnesota e autor do livro “Chorando, o segredo das lágrimas”, homem que é homem não chora feito mulher, isso porque, das glândulas lacrimais, responsáveis pelo choro, é que se expele o hormônio prolactina, que existe em quantidade muito maior nas lágrimas das mulheres. A prolactina, como o próprio nome indica, é fundamental para a produção de leite durante a amamentação. Em suas pesquisas, Frey teve a oportunidade de tratar pessoas deprimidas com o hormônio dopamina, que inibe a prolactina. Resultado: as crises de choro dos pacientes diminuíram, comprovando a ligação entre esse hormônio predominantemente feminino e as lágrimas.
Do estudo, constatou-se que mulheres que choram quando são afetadas por algum tipo de sentimento motivador do pranto, tendem a serem mais felizes do que se não chorassem. Dito de outro jeito, quem derrama mais lágrimas, tende a se sentir mais aliviado.

Frey constatou que pela lágrima são eliminadas certas substâncias químicas que causam a ansiedade. Isso explica a sensação de alívio que muitas vezes se segue a uma boa sessão de choro.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

DECLARAÇÕES DE AMOR...E DE ÓDIO

“Filho meu se apanhar na rua, quando chegar em casa apanhará mais”, diz um dos pais (ou ambos, numa só voz). Quer dizer: pressionam-se os filhos para revidar agressões com mais violência, e não se motiva para o amor, nem para o perdão.
 Sem querer avançar pelo terreno movediço da “filosofia barata”, medindo e pesando cada letra, arrisco-me a tecer algumas considerações sobre a predominante tendência de muitas pessoas absterem-se das declarações de amor, e a fugirem da palavra “amigo”.
  Já ouvi um cidadão, de seus 75 anos de idade, dizer (como se fosse algo meritório), que “está casado há mais de 50 anos e nunca declarou o seu amor pela esposa”. Fez uma festa de arromba, para comemorar as bodas, mas, sem verbalizações “comprometedoras” de seu amor.
  Com relação a palavra AMIGO (que muitos preferem usá-la de forma parcimoniosa e seletiva), vale lembrar que, em razão de sua derivação, a partir do latim amicus, especulam-se principalmente duas possibilidades: a primeira, é de que a expressão venha de amare (amar); e a segunda, é de que ela viria de animi (alma), e custas (custódia), ou seja, o termo AMIGO, equivaleria a expressão “guardador de alma”, ou alguém que toma conta da alma de outro.
  Há um certo clima de constrangimento quanto a intenção de se dizer “eu te amo”, e até para muitos, a palavra “amigo”, por vezes, exerce uma espécie de invasão.
  Entre os casais enamorados, durante a fase de conquista, as declarações de amor até tornam-se corriqueiras, mas muita gente se queixa que depois dessa fase, o sentimento nobre, antes declarado e reiterado um monte de vezes, se retrai, até se esconde, e fica numa espécie de hibernação.
  Entretanto, quando “o sangue ferve e sobe à cabeça”, quando a ira toma conta da emoção evidenciada pelo empalidecer, ou enrubescer da face, pelo tremor dos lábios e das mãos, as declarações espontâneas e morbidamente prazerosas de raiva ou ódio, fluem com grande facilidade.
  Não bastassem as guerras que pipocam por várias regiões do globo terrestre, também do lado de dentro  de nós, os conflitos ecoam com um ruído ensurdecedor.   Tanto que, quando perdemos as estribeiras, a impulsividade dita as iniciativas raivosas.
  Aprendemos a cultivar a corrosiva mágoa, a não levar desaforo para casa, e isto está colocado no sentido de não se tolerar nada que, imaginemos, ameace a nossa integridade física ou moral. Nesse sentido, os critérios que usamos para avaliar se querem ou não invadir o nosso território psíquico, a nossa intimidade de valores éticos e morais, ficam a depender, quase sempre, do momento, ou do nosso bom ou mau humor.
  Raras são as pessoas que privilegiam a manutenção da serenidade, abstendo-se do revide. Quem duvida desse fato, é só observar as explosões emocionais ocorridas no trânsito, entre pedestres e motoristas, e entre eles mesmos: basta um leve descuido, uma reles barbeiragem, e o incêndio ocorre; um esbarrão, e os ânimos se exaltam. De tão reativo, de tão “bateu levou”, criamos boas e fartas condições para a instalação de cânceres e ataques cardíacos precoces, a nosso desfavor. 
  Dá a entender (pelo menos para mim), que se fôssemos educados não com base no revide, mas sim pelo viés da compreensão, da aceitação, de perceber as pessoas como elas são e estão (talvez num momento crucial de suas existências), nos aproximássemos mais daquele outro sentimento que tanto buscamos: a paz. 
 Precisamos, cada vez mais, exercitar a sincera declaração de amor. O “eu te amo” é um bálsamo, uma espécie de “tônico revigorante” que fortifica laços afetivos entre os casais e também entre familiares, e até amigos.
 Há quem seja inibido para falar de amor, e fluente para mencionar desprezo, desdém pela outra pessoa.
 Ressabiados com estamos, de um modo geral, e por conta de muitas e muitas decepções, desilusões terríveis, nos armamos de duras carapaças sentimentais e emocionais, na tentativa de protegermo-nos de invasões indesejáveis… Quer dizer, muitas vezes rodopiamos em torno do Bem, sem tomarmos a iniciativa dele, e abraçamos a, digamos, formalidade no trato, preferindo o eterno estado de vigília, só para não sofrer algum “desapontamento fraternal”.
 A vida, curta e rápida como ela é, poderá nos dar a oportunidade de vivê-la intensamente, mesmo transitando entre o quente, o morno e o frio dos sentimentos e das emoções, mas essas diversidades de temperatura poderão ser, em várias ocasiões, ajustadas por nós mesmos. Nos dizeres do “Movimento pela Paz”, a paz do mundo começa em mim, começa dentro de você que ora ajuda-me a refletir sobre este tema vital para a humanidade. Sem amigos e amores sinceros, estaremos fadados a uma vida atribulada, tórrida e árida, seca como um deserto, onde veremos ameaças até na nossa própria sombra.
 Para reverter o quadro, basta que todos estendamos a mão, querendo de fato, estendê-la. Pouco ou nada adiantam os apertos de mãos formais, dados com as pontas dos dedos, nem os cumprimentos expressados por um balbuciar entredentes, de palavras vãs e sem sentido para quem as verbalizam, mais um penduricalho social, e que no modelo atual, tornou-se (para usarmos uma palavra da moda), algo coercitivo, obrigatório.
 Nossas máscaras sociais, usadas a todo instante, pesam demais, e nos leva a trilhar por veredas escorregadias, que nos impedem de ser mais verdadeiros e felizes. E, ainda assim, continuamos renitentes na posição de ariscos, sempre com um pé atrás em relação ao outro. 
 Se atitudes arredias afastam, os gestos de cordialidade aproximam, cativam e unem.



quinta-feira, 2 de novembro de 2017

"O QUE ESTÁ CORRETO JÁ NÃO VALE MAIS"

Para muita gente brasileira, são fortíssimas as razões para confiar mais no Judiciário do que no Legislativo (ambos, de um modo geral), em todos os níveis e em todas as regiões do país.
Não é segredo que alguns poucos membros do poder encarregado de julgar, já perderam a credibilidade. Mas, a maioria dos integrantes do Judiciário tem demonstrado que faz a coisa certa, e que poderia fazer mais e melhor, não fosse as leis fajutas, engendradas sob encomenda para beneficiar quadrilhas e quadrilheiros, e que não dá espaço para que juízes e promotores idôneos e íntegros, promovam a punição daqueles que vêm, há muito, açambarcando os cofres da Nação com um ímpeto de uma ratazana esfomeada.
Indigna, constrange e envergonha ver e ouvir baboseiras dos que tentam justificar e explicar fatos ilegais, imorais, e inexplicáveis, quase sempre com argumentações que, de tão cínicas, transparece um certo tom de zombaria, achincalhe, e até de desdém pela inteligência dos cidadãos de bem.
Das duas uma: ou as autoridades encarregadas de investigar e promover os processos contra crimes de corrupção praticados são injustas, levianas, incompetentes, e merecem ser cobradas por isso, ou os políticos e empresários acusados são desonestos mesmo, um quadrilhão que precisa ser defenestrado, lançado vigorosamente aos cuidados dos carcereiros de plantão, e responsabilizados pelo estrago feito.
Como pode a Suprema Corte (encarregada máxima da interpretação e aplicação da Lei), acusar um Presidente da República e não conseguir puni-lo?
Que País é esse que a Justiça diz claramente que a autoridade máxima precisa explicar atos de corrupção, e o Legislativo, desavergonhadamente, diz que os atos desonestos presidenciais não devem ser julgados, em razão de vivermos sob um regime democrático?
Democracia é um sistema de governo em que a soberania é exercida pelo povo, e no interesse do próprio povo, mas, o que se depreende daquilo que se ouve, partindo das tribunas, é que o nosso governo, autonomeado de democrático, utiliza-se desse rótulo para encobrir tudo o que são malfeitos.
Ao que parece, uma das duas casas precisa reformular-se, ou fechar as portas por não cumprir a missão para a qual foi criada.
O tempo passa e quem está na condição de fora da lei, permanece em liberdade, e mais grave ainda: mandando, e com foro privilegiado, intocável.
Autoridade, na concepção do povo, precisa possuir moral ilibada, ser incorruptível, e não só ser honesta, mas também transparecer honestidade.
Não há erro “mais ou menos”. Ou está errado, ou está certo. Nesse caso, quem está errado, e quem está certo?
O que leva pessoas altamente conhecedoras da Ciência do Direito a garantir que, no caso, alguns figurões da política sejam acusados das mais sórdidas falcatruas, e outras, também de incontestável saber jurídico, esforcem-se bravamente para soprar na direção dos corruptos um certo ar de alívio?
O que causa asco é percebermos o esforço de quem deveria julgar e/ou aprisionar com isenção, demonstrar, sem o menor pudor, que toma partido e transparece manobrar para que o resultado final favoreça indevidamente algum réu de primeira grandeza (tratado com reverências, salamaleques, mesuras, rapapés e cortesias exageradas, como foi o caso do ex-governador do RJ, que conseguiu enfiar entre as grades da própria cela, um televisor de 65 polegadas, de última geração, e toda parafernália accessória que a transformaria num cinema, ao custo de R$ 8.000,00, pagos em dinheiro vivo por um dos comparsas (e companheiro de cela), sem ninguém resistir.
Deus só é Deus porque possui força moral para ser o que é. Autoridade desmoralizada não merece respeito, e só consegue ostentar o título pela força bruta.
Que dizer de um País cujo povo, cativo, obediente e ordeiro se deixa governar por um trio de corruptos, que substituiu outros não menos desonestos?
Que dizer de uma Nação que, de tão passiva e subserviente, perdeu a noção dos valores, e que, de tão descaracterizada, seus habitantes já acostumaram-se a não ter direito?
Que dizer de um povo que trabalha de sol a sol e não vê nenhum resultado prático do lema “Ordem e Progresso”, ultimamente usado pomposa e maldosamente, num truque apelativo?
Nos últimos setenta anos o Brasil nunca esteve tão à deriva quanto agora. A astúcia dos políticos descompromissados com o pudor, com a honestidade, e tendo a força vigorosa de uma máfia bem articulada (espraiada pelos Três Poderes), sufoca o povo como faria uma presa impotente e passiva, dominada por uma sucuri.
Mais do que nunca, a escala que mede psicopatias quando direcionada às cabeças dos excelentíssimos corruptos, explica as razões das mortes inumeráveis e à míngua, ocorridas à porta ou dentro dos hospitais públicos. Também, o esfacelamento moral e ético de uma geração de jovens altamente envolvidos com drogadição, ideações suicidas, e um preocupante agravamento do índice de suicídios consumados, denota efetivo desamparo de educação, a conduzi-los ardilosamente para uma desconstrução do caráter, da honra, da moral e da ética.
Viver incertezas sociais, econômicas, e até morais outras, dentro de todas as incógnitas que as próprias circunstâncias da vida permite, é algo que gera consequências danosas, de curto, médio e longo prazo, a ameaçar a paz e o bem-estar de todos nós.
Em setembro último, ressurgiu na web um vídeo gravado em 2015, durante o VII Festival de Música Popular Paraense, numa interpretação da cantora Juliana Franco, com a música “A Ordem do Inverso” da autoria de Yuseff Leitão, cuja letra permanece atualíssima e consoante com a imagem que todos os bons brasileiros têm da sua Pátria (mãe gentil e, ainda tão distraída).
O desabafo do autor (mantido quase que em anonimato pela mídia capciosa), fala das decepções e das angústias que permeiam a vida da grande maioria dos cidadãos de bem e de vergonha na cara: “roubaram o meu amor pelo Brasil, tiraram minha paz e ninguém viu, levaram do meu bolso a carteira, a ordem e o progresso da bandeira”, lamenta o poeta.
Roubaram o remédio do hospital, a verdade do espaço eleitoral; roubaram a galinha do quintal, compraram a manchete do jornal; roubaram as grades da prisão, colocaram nas janelas, no portão; do hino roubaram a pátria amada, e a futilidade é idolatrada”, grita o seu desconsolo e a sua inconformação, Yussef Leitão em outros trechos de sua obra. 




sábado, 21 de outubro de 2017

COMUNICAÇÕES DESESPERADAS

Duas vezes presidente, Getúlio Dornelles Vargas (19/04/1882 – 24/08/1954), promoveu reformas que transformaram o Brasil agrário e semicolonial numa nação em desenvolvimento. Tido como a mais expressiva figura política da república brasileira, ora instituiu um governo ditatorial, ora tornou-se presidente eleito pelo voto popular e universal.
Partindo de terras gaúchas, num trem militar, ainda na condição de governador, junto com a sua comitiva, e com destino a São Paulo, no dia 16/10/1930, Getúlio deu uma parada na estação ferroviária das cidades Gêmeas do Iguaçu (Porto União – SC, e União da Vitória – PR), e ali aproveitou para aproximar-se do povo e pronunciar um discurso da sacada do antigo Hotel Internacional, na atual Praça Hercílio Luz. O ambiente político-partidário brasileiro era pra lá de preocupante.
(Foto de Arthur Wischral. acervo Nilson Rodrigues).

O fato ainda hoje reverbera como acontecimento histórico local, e sempre é destacado quando a conversa gira em torno dos tempos em que a linha férrea servia, até, ao transporte internacional de passageiros, bem como para a escoação de produtos, notadamente da indústria pecuária. Longe estava da percepção de todos os porto-unionenses, e união-vitorienses, daquela época, o desfecho trágico na vida daquela personalidade influente do cenário político nacional.
Para se ter uma ideia do tom da História naquela ocasião, basta relembrar as palavras grafadas em seu diário, iniciado no dia 03/10/1930: “Desta viajada se volta com honra ou não se volta mais”. Um olhar mais detalhado é o suficiente para nele se perceberem citações repletas de sentimentos que, hoje, propicia um recorte historiográfico capaz de ressaltar o prévio grito de socorro daquele que já aparentava alguma ideação suicida.
O 14º mandatário brasileiro, vivenciou momentos de grande tensões, de alguma euforia pelos êxitos alcançados, mas também de agonias em razão dos fracassos, das cobranças, das decepções, das traições e tramas homéricas, dignas de enredos de obras literárias ou cinematográfica de mistério, intrigas e suspense, num redemoinho de interesses palacianos escusos e obscuros, a fervilhar na mais profunda intimidade psíquica daquele grande brasileiro de 1,63 m de altura, sobrepondo, instante a instante, gotas de fel emocional, que futuramente viria a entornar, lá em 1954, através do ato suicida.
Não é necessário muito esforço para se imaginar o que vem a ser o emocional de quem tem sobre si a responsabilidade de decidir os destinos de uma nação quando, paralelo a isto, ocorrem fatos tenebrosos que pedem providências rápidas e eficazes.
Os escritos do diário de Vargas, mostrava-o contando o tempo, como se acompanhasse o tique-taque do relógio, à medida que aguardava o momento ideal, exato para os acontecimentos revolucionários, e de negociações político-administrativas, naquele ano de 1930.
Já no primeiro dia das anotações no seu diário (03out), Getúlio expressava um dos sentimentos mais difíceis de se administrar: a ambivalência (um martirizante rosário de dúvidas atrozes). Indagava-se ele: “Não terei depois uma grande decepção?”, “Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a ordem?”, “E se perdermos?”, “Eu serei depois apontado como responsável, por despeito, por ambição, quem sabe?”.
A perspectiva, então vislumbrada pela sua mente, já comprometida com a ideação suicida, clarifica, mais uma vez, o cogitar da morte como alternativa para a desconfortável posição de mandatário e líder político, num momento crítico nacional: “Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”.
O tamanho da crise (de dentro de si, e da nação que viria a governar) estava, também, retratado no manifesto revolucionário exarado naquela 5ª feira, 03/10/1930, e publicado nos jornais do dia seguinte:
O povo, oprimido e faminto. O regime representativo golpeado de morte, pela subversão do sufrágio popular... Daí, como consequência lógica, a desordem moral, a desorganização econômica, a anarquia financeira, o marasmo, a estagnação, o favoritismo, a falência da Justiça. Entreguei ao povo a decisão da contenda, e, este, cansado de sofrer, rebela-se contra os seus opressores... Não foi em vão que o nosso Estado realizou o milagre da união sagrada. É preciso que cada um de seus filhos seja um soldado da grande causa. Rio Grande, de pé pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino heroico!”
O apelo cívico foi prontamente atendido, e em poucos dias, cerca de 50 mil voluntários se apresentaram para a luta. O Rio Grande do Sul estava em pé de guerra, e esse sentimento espraiou-se pelo Brasil.
Decorridos os anos da década de 1930, até o fatídico dia 24 de agosto de 1954, muitos foram os momentos tensos, às brigas encarniçadas pelo poder, e dentro delas, a acidez de sentimentos altamente corrosivos.
Como quase sempre ocorre, a comunicação drástica (que todo ato suicida traz), veio por escrito, desta feita numa carta testamento, endereçada ao povo brasileiro, com destaque para os seguintes e significativos trechos:
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado”.
Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue”. “Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater a vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação”.
Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória”.
Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate”.
A comunicação trágica pela via do suicídio, reflete o grito rouco de quem não conseguiu ser ouvido empaticamente e compreendido em vida.
Não que o viés a se considerar, em situações semelhantes, seja o da concordância com o ato extremado, nem com as propostas apresentadas, mas algo como um alerta para a necessidade de se ouvirem as pessoas, ativa e respeitosamente (ainda que de forma discordante); e que haja a predisposição de flexibilizarem-se posições e esgotarem-se todas as chances de diálogos sinceros, isentos de todos e quaisquer tipos de preconceitos.

O suicídio é um ato radical, cometido por alguém que sofre de extrema solidão, e que só consegue se comunicar através da tragédia que o próprio ato representa, muitas vezes acompanhado de um melancólico bilhete explicativo.
Rua do Catete (RJ), após o suicídio de Getúlio Vargas (24.08.1954)

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Os cinco vídeos postados a seguir, fazem um reexame dos momentos que antecederam o suicídio de Getúlio Vargas e mergulha nos bastidores do atentado da Rua Tonelero, contra o jornalista e político Carlos Lacerda, 19 dias antes da morte do presidente. O documentário tem locações em Porto Alegre e São Borja (RS), em Brasília e no Rio de Janeiro, com gravações no Palácio do Catete.




sábado, 14 de outubro de 2017

IMPULSIVIDADES

Num de seus livros, “Grandes Sertões: Veredas”, o notável Guimarães Rosa, através de um de seus personagens, destaca que “Viver é muito perigoso”.
De fato, a própria natureza, por si mesma, se encarrega de tornar a nossa aventura terrena algo muito radical.
Zunindo por sobre as nossas cabeças, só aqui no Brasil, por ano, são cerca de 100 milhões de raios com carga positiva, a mais letal delas.
Não bastassem as variações climáticas, o próprio ser humano encarrega-se de complicar os atos de viver, sobreviver e conviver: guerras, violência urbana, corrupção, conflitos pessoais de toda ordem, agressões físicas e verbais, autoagressões de todos os níveis e para todos os gostos: alcoolismo, tabagismo, drogadição, raiva e ódio desmedido, a deteriorar a saúde física e mental. Correndo por fora disso tudo, e maltratando ainda mais, o assédio moral e sexual, bullying, pressões exageradas e extremamente desleais… Catastrofismo? Pessimismo? Não: realidade!
O mesmo Guimarães Rosa lembra também que “Aprender a viver é que é o viver mesmo”, e, neste sentido, a expressão VALORIZAÇÃO DA VIDA, carrega em si mesma, algumas espécies simbólicas de escudos, capacetes e coletes de proteção, na medida em que adotem-se cuidados salutares para com a mente, o corpo e o meio ambiente, ante o burburinho diário.
Se tivermos mais zelo no caminhar, transitaremos em meio aos 100 milhões de raios, de balas nem sempre perdidas, e dos desafios sociais, morais e emocionais, com razoável margem de segurança. Contudo, quando as eventuais dificuldades resultam das atitudes deliberadas de DESVALORIZAÇÃO DA VIDA, quando perdem-se o foco das coisas que propiciam um viver saudável, do conviver sem conflitos, e do sobreviver digno, honrado, dentro do que é de direito, e sem avançar na seara alheia, a boa existência fica comprometida e os sofreres podem se suceder em escala ascendente.
Segundo ensina a teoria humanista formulada pelo também notável psicólogo norte-americano Carl Rogers, todo ser humano nasce com potencialidades suficientes para se entender, e encontrar seus próprios rumos na vida emocional e sentimental.
O ferramental do saber ouvir ativa, respeitosa e empaticamente, propicia naturais possibilidades de compreensão das nuances nos relacionamentos humanos, ofertando larga margem de proteção contra verdadeiros vendavais de sentimentos e emoções conflitantes.
Ouvir com atenção, respeito e aceitação o que o outro tem para dizer, oferece boas chances de sobrevida para aqueles que eventualmente estejam sobrecarregados, e sob o impacto de verdadeiras “descargas elétricas” emocionais, fruto das pressões diárias, das exigências a que somos submetidos, do eterno fantasma do fracasso a rondar mentes entulhadas de responsabilidades e culpas (devidas ou indevidas), do “correr atrás do prejuízo”, dos desafios por vezes aparentemente acima de nossas capacidades.
O recente prêmio Nobel de Economia, Richard Thaler, criador da Teoria da Contabilidade Mental, juntando conceitos de finanças à Psicologia, afirma que vivenciamos a dicotomia (ambivalência), de precisarmos racionalizar os gastos, entretanto, algo em nosso íntimo nos leva a ser irracionais na forma de desembolsar recursos.
A impulsividade tem nos escravizado de A a Z, em todos os setores da vida. Muitos arriscam-se a dar o primeiro passo na direção dos vícios de beber, fumar, ou cheirar, na ilusão de aliviarem-se das tensões geradas, quando racionalizam-se mal os custos e os benefícios de iniciativas infelizes, e raros são aqueles que conseguem desatarem-se dessas amarras.
Ainda girando em torno das teorias de Thaler, sem grandes esforços, dá para perceber que o ato de esbanjar recursos financeiros pode ocasionar pressões indutoras da gana de ter, o que, em tese, tenderá a proporcionar intranquilidades, angústias, níveis de estresses exagerados, tornando a luta pela sobrevivência, muitas vezes, um combate desigual, restando uma vida vivida em ritmo de desvalorização.
O cérebro, o coração e o sistema nervoso trabalham a “todo vapor”, e a vida deixa de ser prazerosa, sem espaço que propicie salutar reconforto, sossego, serenidade.

Riobaldo, o protagonista da obra magistral, apontada lá no início deste texto, na condição de velho fazendeiro e ex-jagunço, transitou entre o amor platônico e impossível de Diadorim, o amor carnal da prostituta Nhorinhá, e o amor puro e verdadeiro de Otacília, conhecendo como poucos sobre as entrâncias e reentrâncias do que vem a ser as peripécias do viver, do conviver e do sobreviver, perigosa e impulsivamente.