Duas
vezes presidente,
Getúlio Dornelles Vargas (19/04/1882
– 24/08/1954),
promoveu
reformas que transformaram o Brasil agrário e semicolonial numa
nação em desenvolvimento. Tido como a mais expressiva figura
política da república brasileira, ora
instituiu
um governo ditatorial, ora
tornou-se presidente eleito pelo voto popular e universal.
Partindo
de terras gaúchas, num trem militar, ainda na condição de
governador, junto com a sua comitiva, e com destino a São Paulo, no
dia 16/10/1930, Getúlio
deu uma parada na estação ferroviária das cidades Gêmeas do
Iguaçu (Porto
União
– SC,
e União da Vitória
– PR),
e
ali aproveitou para aproximar-se
do povo e pronunciar um discurso da sacada do antigo Hotel
Internacional, na atual Praça Hercílio Luz. O ambiente
político-partidário brasileiro era pra lá de preocupante.
(Foto de Arthur Wischral. acervo Nilson Rodrigues).
O
fato ainda hoje reverbera como acontecimento histórico local, e
sempre é destacado quando a conversa gira em torno dos tempos em que
a linha férrea servia, até, ao transporte internacional de
passageiros, bem como para a escoação de produtos, notadamente da
indústria pecuária. Longe estava da percepção de todos os
porto-unionenses, e união-vitorienses, daquela época, o desfecho
trágico na vida daquela personalidade influente do cenário político
nacional.
Para
se ter uma ideia do tom da História naquela ocasião, basta
relembrar as palavras grafadas em seu diário, iniciado no dia
03/10/1930: “Desta viajada se volta com honra ou não se volta
mais”. Um olhar mais detalhado é o suficiente para nele se
perceberem citações repletas de sentimentos que, hoje, propicia um
recorte historiográfico capaz de ressaltar o prévio grito de
socorro daquele que já aparentava alguma ideação suicida.
O
14º mandatário
brasileiro,
vivenciou momentos de grande tensões, de alguma euforia pelos êxitos
alcançados, mas também de agonias
em razão dos fracassos, das cobranças, das decepções, das
traições e tramas homéricas, dignas de enredos de obras literárias
ou cinematográfica de mistério, intrigas e suspense, num redemoinho
de interesses palacianos escusos e obscuros, a fervilhar na
mais profunda intimidade psíquica daquele grande brasileiro de 1,63
m de altura, sobrepondo, instante a instante, gotas de fel emocional,
que futuramente viria a entornar, lá em 1954, através do ato
suicida.
Não
é necessário muito esforço para se imaginar o que vem a ser o
emocional de quem tem sobre si a responsabilidade de decidir os
destinos de uma nação quando, paralelo a isto, ocorrem fatos
tenebrosos que pedem providências rápidas e eficazes.
Os
escritos do diário de Vargas, mostrava-o contando o tempo, como se
acompanhasse o tique-taque do relógio, à medida que aguardava o
momento ideal, exato para os acontecimentos revolucionários, e de
negociações político-administrativas, naquele
ano de 1930.
Já
no primeiro dia das anotações no seu diário (03out),
Getúlio expressava
um dos sentimentos mais difíceis de se
administrar:
a ambivalência (um
martirizante rosário de dúvidas atrozes).
Indagava-se
ele:
“Não terei depois uma grande decepção?”, “Como se torna
revolucionário um governo cuja função é manter a ordem?”, “E
se perdermos?”, “Eu serei depois apontado como responsável, por
despeito, por ambição, quem sabe?”.
A
perspectiva, então
vislumbrada pela sua mente, já comprometida com a ideação suicida,
clarifica, mais uma vez, o cogitar da morte como alternativa
para a desconfortável posição de mandatário e líder político,
num
momento crítico nacional:
“Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um
fracasso”.
O
tamanho da crise (de
dentro de si, e da nação que viria a governar)
estava, também,
retratado
no manifesto revolucionário exarado naquela
5ª feira,
03/10/1930,
e publicado nos jornais do dia seguinte:
“O
povo, oprimido e faminto. O regime representativo golpeado de morte,
pela subversão do sufrágio popular... Daí, como consequência
lógica, a desordem moral, a desorganização econômica, a anarquia
financeira, o marasmo, a estagnação, o favoritismo, a falência da
Justiça. Entreguei ao povo a decisão da contenda, e, este, cansado
de sofrer, rebela-se contra os seus opressores... Não foi em vão
que o nosso Estado realizou o milagre da união sagrada. É preciso
que cada um de seus filhos seja um soldado da grande causa. Rio
Grande, de pé pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino
heroico!”
O
apelo cívico foi prontamente atendido, e em poucos dias, cerca de 50
mil voluntários se apresentaram para a luta. O Rio Grande do Sul
estava em pé de guerra, e esse sentimento espraiou-se pelo Brasil.
Decorridos
os anos da década de 1930, até o fatídico dia 24 de agosto de
1954, muitos foram os momentos tensos, às brigas encarniçadas pelo
poder, e dentro delas, a acidez de sentimentos altamente corrosivos.
Como
quase sempre ocorre, a comunicação drástica (que
todo ato suicida traz),
veio por escrito, desta feita numa carta testamento, endereçada ao
povo brasileiro, com destaque para os seguintes e
significativos
trechos:
“Tenho
lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão
constante,
incessante, tudo suportando
em silêncio,
tudo esquecendo e renunciando
a mim mesmo,
para defender o povo que agora se queda desamparado”.
“Nada
mais vos posso dar
a não ser o meu sangue”.
“Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar
sugando o povo brasileiro, eu
ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem,
sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater a
vossa
porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e
vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento
a força para a reação”.
“Meu
sacrifício
vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada
gota de meu sangue
será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração
sagrada para a resistência. Ao
ódio respondo com perdão.
E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória”.
“Era
escravo do povo e
hoje me liberto para a vida eterna.
Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de
ninguém. Meu
sacrifício
ficará para sempre em sua alma e meu
sangue terá o preço do seu resgate”.
A
comunicação trágica pela via do suicídio, reflete o grito rouco
de quem não conseguiu ser ouvido empaticamente e compreendido em
vida.
Não
que o viés a se considerar, em situações semelhantes, seja o da
concordância com o ato extremado, nem com as propostas apresentadas,
mas algo como um alerta para a necessidade de se ouvirem as pessoas,
ativa e respeitosamente (ainda que de forma discordante); e que haja
a predisposição de flexibilizarem-se posições e esgotarem-se
todas as chances de diálogos sinceros, isentos de todos e quaisquer
tipos de preconceitos.
O
suicídio é um ato radical, cometido por alguém que sofre de
extrema solidão, e que só consegue se comunicar através da
tragédia que o próprio ato representa, muitas vezes acompanhado de
um melancólico bilhete explicativo.
Rua do Catete (RJ), após o suicídio de Getúlio Vargas (24.08.1954)
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Os cinco vídeos postados a seguir, fazem um reexame dos momentos que antecederam o suicídio de Getúlio Vargas e mergulha nos bastidores do atentado da Rua Tonelero, contra o jornalista e político Carlos Lacerda, 19 dias antes da morte do presidente. O documentário tem locações em Porto Alegre e São Borja (RS), em Brasília e no Rio de Janeiro, com gravações no Palácio do Catete.